terça-feira, 26 de agosto de 2008

E olha que nem foi em um "daqueles dias"...


05h40 da manhã, o despertador tocou. Teve vontade de desligá-lo imediatamente para dormir só uns dez minutos, mas infelizmente isso seria impossível já que naquele dia teria aula às 07h30 com um professor que insistia em um método de ensino totalmente decrépito, o que resultava em alunos sem a menor motivação para estudar.

Ignorando esse detalhe árduo e aceitando o fato de que “a motivação tem que vir de dentro”, levantou, escovou os dentes, tomou banho, vestiu uma roupa básica como de costume e saiu. Ligou o mp3 para abreviar o caminho (tinha a sensação de que o tempo passava mais rápido quando escutava música). Chegando ao ponto, começou mentalizar o seu ônibus: Estação Mussurunga viria vazio pois eram apenas 6:20h, então, dava para ir sentadinha da silva, na janela, sentindo o vento frio que só uma manhã de inverno pode proporcionar aos seu rosto e cabelos. Entretanto, não foi o que lhe ocorreu.

06h25min... 06h30min.. 35... E nada. 7h e o “buzu” ainda não havia chegado. “Que será que aconteceu pra essa bosta ainda não ter passado?”. Pelos seus cálculos iria chegar á Faculdade com 1h de atraso e o que ela menos queria, era dar o gostinho àquele jovem senhor chato que já tinha por costume adotar a ironia como defesa a críticas às suas aulas. “Que droga! o que faço agora?” enquanto pensava numa solução, percebeu uma “muvuca” atrás de si. “Oh não! Est. Mussurunga está vindo”. Era fácil perceber. Mesmo que você não estivesse olhando, quando aquele bendito ônibus estava por perto. Sendo o único para aqueles lados, o ponto enchia de tudo quanto era tipo de gente: estudantes, ambulantes, operários (que trabalhavam nas obras de condomínios luxuosíssimos da Av. Paralela, os quais eles jamais morarão um dia), senhoras, senhores, crianças melequentas, etc, etc...

“P***! não vai dar nem pra eu pôr um dos meus pezinhos aí dentro”. E de fato era fato. Ainda que corresse para tentar um lugar ao sol naquele transporte, este já vinha de lá lotadíssimo, era uma missão impossível. Pensando assim, teve a incrível idéia no momento em que avistou um Marback não muito lotado atrás do Estação: “vou pegar Marback, traseirar nele, e quando chegar na Estação Iguatemi, quando alguém for entrar, eu saio e pego um outro que esteja vazio no ponto de lá.” Ah, como ela era inteligente! Sentiu vontade beijar-se. Entrou no dito cujo feliz da vida e se uniu a outros companheiros de bordo que já traseiravam, uma vez que sabiam o quão aquele também demonioso coletivo lotava até pelo menos a FIB (Faculdade Integrada da Bahia).

O ônibus encheu tanto, mais tanto, que já não era preciso segurar nas poucas barras que tinham ali no pequeno espaço atrás da roleta. Se ficasse em pé, sem se segurar, a união dos corpos presentes junto ao seu daria o equilíbrio suficiente para manter-se paradinha.

Quando já estava próximo ao seu ponto começou a raciocinar o seguinte: “Isso vai dar merda. A p*** lotou tanto que ninguém vai querer entrar aqui, logo a porta não se abrirá, e eu não poderei sair! Drogaaa!” Realmente, cometera um erro que acabaria em um atraso maior, e pra piorar, o costumeiro engarrafamento que ela odiava naquele dia não estava ocorrendo, ou seja, teria menos tempo ainda para convencer o cobrador que havia tomado a condução errada ou algo do tipo, para não pedir que abrisse a porta na cara mais encerada do mundo.

O desespero foi tomando conta de si. O carro arrastando, o aperto das pessoas, ninguém no ponto estendendo a mão intencionada a entrar naquele buzu... Que foi quase no impulso que resolveu cutucar o cobrador, ou melhor, cobradora, para resolver sua situação. “Senhora, o meu ponto é aqui. Peça ao motorista, por favor, que abra a porta porque não tem condições eu passar por toda essa gente pra saltar aqui, né?” Para sua felicidade, um pequeno engarrafamento começou a formar-se, ótimo, teria mais tempo. “Porque você não passou antes?” Obteve de forma ríspida essa pergunta como resposta e só então analisou com quem estava falando.

Era uma senhora de meia-idade, aspecto severo e ignorante. De corpo era gorda e baixa. Tinha cabelos que um dia aparentaram serem lisos, pois agora o que restava no couro eram só uns fios negros velhos contrastando com os brancos na altura dos ombros. Passado seu devaneio momentâneo na tentativa de analisar o âmago mal-amado daquela mulher, percebeu que a mesma mantinha-se zangada e olhando para ela. Lembrou do seu atraso, da sua falta de vontade de ir à Faculdade, de não ter dormido bem aquela noite, o atraso do ônibus seguido de uma lotação freqüente em sua cidade e tudo o mais que estava lhe aborrecendo até aquele momento. A menina ergueu o dedo indicador de sua mão esquerda, os lábios contraindo formando um bico nervoso, os olhos a procurar dentro de sua mente as palavras certas. Apontou, mirou, e atirou:

“Escute aqui sua velha mocoronga! Sua... Sua... Praga do Egito! Um animal não merece ser tratado com tanta desfaçatez que dirás um ser humano! Onde já se viu... Esse aperto descomunal, esse cheiro horrível de suor e este abafamento insuportável! Saiba que essa jossa circula na cidade graças ao meu dinheiro, de todos aqui dentro incluindo você! A senhora está aqui, dentro deste veículo público para cumprir a sua função de manter-se calada e só fazer o necessário. Quanto a nós passageiros, deveríamos estar todos merecidamente sentados e chegar em nossos compromissos a tempo! Mas infelizmente, devido à uma política suja de opressores contra oprimidos e conformistas, não estamos! Então, quando eu ou qualquer um aqui dentro pedir por favor, para que abra essa maldita porta, tenha o mínimo de gentileza, se é que a senhora sabe o que é isso, e A-BRA A POR-TA.”

O rosto onde antes estava uma ligeira arrogância, agora se transformara em um verdadeiro mar revolto de aborrecimento estupefato. A mulher pegou uma das moedas do caixa e bateu três vezes na barra de ferro a sua frente (código entre cobradores e motoristas, onde o cobrador pede através do som da moeda em contato com o aço, para que abra as portas traseiras.) a porta se abriu e a garota pôde sair para o “delírio” da galera que gritava jargões urbanos do tipo “issaêê moçaa, sou mais você! Meu voto é seu, uhuull!”

Fim.

2 comentários:

raai. disse...

Imagina se tivesse sido hein?
Você não contou como o 'resto'.
O professor falou muito?
Atrasou muito mesmo?
o outro bendito buzu demorou?
traseirou de novo?
ewaoiheoaw

;**

Anônimo disse...

É uma realidade, que talvez aconteça com outras pessoas. Mas é duro encontrar profissionais "muito corretos", pois querem mostrar serviço para desconhecidos, mas conhecidos, sempre existe o jeito brasileiro.
Pobre... Não o miserável, mas aquele que não consegue desfrutar de tudo que se gosta, são os que mais sofrem, pegando ônibus " transbordando " pessoas. Linhas tais, como: Barroquinha-Marback, Estação Mussurunga - Qualquer lugar, Estação pirajá - qualquer lugar. A vida não foi feita para os intermediários e sim para quem pode e quem não pode.